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Publicado em 19/10/2013

O QUE É HI-END?

O que é HIGH-END?     Todo raciocínio contido no resumo anterior, acerca da subjetividade do ato de escutar, do entendimento da audição em seu sentido extenso, teve como um dos motivos servir de introdução ao tema da subjetividade da avaliação, da atribuição de valor, em audiofilia. O mesmo enfoque subjetivista e circunstanciado poderia ser utilizado no entendimento da expressão High-End. Este artigo pode ser entendido, portanto, como uma continuação do anterior, uma livre reflexão sobre o uso e o significado do termo High-End. Aliás, acho que tanto o termo audiofilia quanto High-End são de uso relativamente recente. Recordo-me de seu uso ocasional, ilustrativo, há certo tempo, mas não de forma a distinguir uma classe específica de pessoas ou de coisas, tal como são empregados hoje em dia. Na época dos primeiros contatos que tive com os prazeres e aventuras do áudio eletrônico doméstico, o termo mais utilizado era Hi-Fi. Ou Alta-Fidelidade, que têm um conteúdo bastante explícito, que é a reprodução fiel de alta qualidade. Procurei, então, na internet os diversos usos desses termos e encontrei muitos artigos esclarecedores a respeito, bastante pertinentes ao tema, mas cada qual puxando a sardinha para um determinado aspecto do uso da expressão High-End, doravante denominada resumidamente de Hiend. Para a grande maioria dos articulistas, a análise do termo Hiend remete à história da evolução da reprodução eletrônica do áudio, tendo como período inicial da alta-fidelidade pós-guerra, mais especificamente a fase de universalização do áudio estéreo no mercado de entretenimento (inclusive no cinema), dos aparelhos HiFi Stereo e das gravações Hi-fi pelas grandes gravadoras. Nesse período, que culminou de 1954 a 1964, com a introdução de diversas inovações eletrônicas, na construção de caixas e aparelhos eletrônicos mais elaborados, com a realização de gravações magistrais por grandes estúdios, tecnologicamente avançados, é que se dá a explosão e consolidação da mania de se escutar música de alta fidelidade em aparelhos refinados. Lembro-me muito bem, em 1959/1960, de meu pai comprando um amplificador valvulado alemão da marca Telefunken e mais duas caixas torre da mesma marca. Ele simplesmente adicionou o amplificador a uma eletrola (radio-vitrola) da mesma marca, e passamos a ouvir música em estéreo, em alto volume para que toda a vizinhança também escutasse, não importando que a potência total de todo sistema fosse menor do que 10 watts. No período seguinte, até meados da década de 70, consolidam-se as grandes marcas dos fabricantes de áudio, fundam-se as revistas especializadas, surgem as empresas dedicadas exclusiva ou principalmente ao áudio de alto desempenho. Lembro-me ainda de várias delas, algumas ainda fazendo parte do seleto grupo de marcas de ponta: Dynaco, Harman Kardon, Jensen, McIntosh, Marantz, Bozak, Tannoy, KEF, Audio Research, Acoustic Research (da qual tive alguns modelos), JBL, Altec Lansing, KLH, e muitas outras. No final desse período começam a se impor no mercado as marcas japonesas, com seus aparelhos transistorizados, e se desenha uma clara distinção entre o áudio High-End e o áudio Hi-Fi de menor preço e de consumo mais amplo. Nesse ponto cessa a unanimidade dos articulistas; daí em diante para alguns o áudio Hiend passa a ter um enfoque eminentemente tecnológico, de incorporar a vanguarda da eletrônica e acústica, e os fatos históricos relevantes passam a ser as inovações tecnológicas. Para esses articulistas, Hiend seria o equivalente de Estado da Arte, e os aparelhos de ponta seriam aqueles que expressariam o máximo possível em termos de tecnologia disponível. Não se fixam em marcas ou modelos, mas enumeram as principais conquistas e os progressos incorporados no áudio de entretenimento. Para outro grupo, trata-se simplesmente uma questão de marcas de elite, ou de nicho de mercado, e a história do Hiend passa a ser a história das principais marcas de áudio. Enumeram, então, as principais marcas, seus dirigentes, os modelos que fizeram sucesso e marcaram a história do áudio. Para um terceiro grupo, Hiend é um conceito qualitativo, não relativo a valores ou marcas; para estes trata-se simplesmente de obter a melhor qualidade possível de áudio. O áudio Hiend, independentemente da marca ou técnica empregada, seria definido pela capacidade de emular com eficiência a realidade. Desse enfoque, pode haver uma coincidência entre as principais marcas e o melhor áudio, mas não obrigatoriamente e se abre espaço para o DIY, para os aparelhos de menor sucesso de mercado ou de menor preço, mas com maior qualidade de construção e que tenham atingido um desempenho excepcional. Julgo que todos têm um pouco de razão, e que o termo High-End pode muito bem ser entendido sob a perspectiva tecnológica, referindo-se no caso ao que de melhor a ciência aplicada atual pode produzir, e que também pode se referir a um nicho específico de mercado, de marcas e fabricantes dedicados a produzir produtos caros para uma elite; mas que se aplica também sem qualquer restrição à potencialidade de determinados aparelhos ou conjuntos de aparelhos em conseguir replicar com eficiência a realidade, a ponto de produzir uma ilusão de música ao vivo. Digo isso porque, afinal, no fundo, essas acepções, embora não coincidam integralmente, pois se referem a cortes diferentes da realidade, têm um substrato comum, e grande parte dos sistemas de áudio de alto desempenho poderia ser enquadrada em qualquer uma delas. Dito em outras palavras, o que está tecnologicamente na vanguarda, normalmente, vêm de empresas ou marcas dedicadas ao mercado High-End (de componentes ou de produtos acabados), e têm como característica de funcionamento a capacidade de fazer com que o sistema em que esteja inserido consiga emular com eficiência a realidade. Para entender essa perspectiva temos que retornar ao artigo anterior, que trata da audição, que nos permite definir o fenômeno da audição como um produto do psiquismo humano. Dito em outras palavras, a gente não escuta o som tal como foi produzido, mas o resultado de sua audição e de seu processamento pelo sistema auditivo no sentido amplo, incluindo o córtex cerebral. Não basta um saxofone tocar em um conjunto de jazz para que nós a identifiquemos e entendamos seu produto musical; é necessário que conheçamos anteriormente música, estilos musicais, que tenhamos noção do que é ritmo, melodia, andamento, notas musicais e sua relação, etc., igualmente temos que ter uma noção anterior de como soam os instrumentos musicais reais, para que, ao final, possamos entender que aquela sonoridade escutada se refere a de um sax tocando jazz em um conjunto musical. Trata-se de uma sequência complexa de fenômenos de caráter individual e único, que transforma ondas sonoras em sensações, e essas em percepções e as percepções em entendimento, atuando desde a produção inicial do fenômeno sonoro e resultando ao final em um fenômeno intelectivo. Ora, durante um longo processo de aprendizado, de experimentação e comparação, conseguimos depreender a que fenômenos sonoros reais se referem nossas percepções. Esse ato complexo depende, portanto, de um esforço de identificação e seleção das fontes de som, de percepção de seu conteúdo e de associação racional dessas percepções a um conjunto de padrões e de conhecimentos anteriores, que permitirá atribuir-lhes conteúdo específico e significado. Figurativamente, poderíamos dizer que nosso cérebro constrói uma ponte, remontando a totalidade a partir da amostragem auditiva atual em associação com nossos registros e referências mentais preexistentes. Formamos, com a convivência, o aprendizado contínuo e a experiência, índices e padrões que nos permitem identificar e qualificar fontes musicais reais; da mesma forma desenvolvemos a capacidade para distinguir fontes de reprodução de áudio de maior qualidade, que demandam menor esforço de entendimento, diferenciado-as de fontes de reprodução de menor qualidade, que demandam maiores esforços e implicam em certo desconforto auditivo e intelectual. À medida que os aparelhos que reproduzem áudio evoluem, ou melhoram seu desempenho, esse esforço de reconstrução da realidade e entendimento torna-se mais fácil, mais natural, mais imediato, demandando menor esforço de percepção e de dedução. De forma contrária, quanto mais longe do modelo ideal de música real ou de alta qualidade for a fonte sonora, mais trabalhoso relativamente ao padrão esperado torna-se sua percepção e entendimento. Esses índices e padrões de identificação não são construídos no vazio. O homem é um animal cultural, socialmente condicionado, dependente de códigos, referências e padrões de comportamento. Os índices e padrões são elaborados tendo como referência a tecnologia disponível, mirando-se nos padrões socialmente vigentes de referência do que deve ser um áudio de qualidade. Assim, o ato subjetivo de escutar sempre é referido a uma conjuntura tecnológica mais ou menos definida e acessível. Ou seja, sempre existe um padrão de excelência sonora vigente em determinada época e os indivíduos que acompanham essa tecnologia tendem a se aproximar mais ou menos delas em seus padrões pessoais. Tendem a tomar esse padrão vigente de excelência como referência final em sua audição sonora. Portanto, o que era excelente há algum tempo não o será agora. O que equivale a dizer que o que demandava menor esforço relativo e, portanto implicava em maior relaxamento, em maior sensação de realidade, há algum tempo, hoje seria considerado deficiente, e produziria maior sensação subjetiva de esforço, menor sensação de naturalidade, maior esforço de entendimento em relação ao esperado, do que quando era considerado o padrão máximo de excelência. Ou seja, a percepção de esforço e a sensação de relaxamento mudam com a alteração dos paradigmas tecnológicos. Em consequência, pode-se compreender que aquilo que é tido como Hiend, hoje, por estar na vanguarda tecnológica, vai corresponder, no geral, grosso modo, ao que é percebido subjetivamente por grande parcela das pessoas aficionadas como sendo efetivamente Hiend. Ora, normalmente, tais aparelhos e produtos são feitos por empresas dedicadas a equipamentos de excelência e destinados a um nicho específico de mercado. O que é, portanto, Hiend? Hiend, de fato, é o termo que se refere a produtos feitos especialmente para um nicho específico de mercado, implicando tradicionalmente em características como alto nível, alto custo e pequena escala, com componentes especiais, de alta qualidade e preço, esmero na construção, que incorporam o que há de melhor em tecnologia no ramo, e que produzem uma forte sensação subjetiva de realidade. Em termos de mercado, o Hiend pode ser identificado a produtos fabricados especialmente por empresas dedicadas a esse nicho específico de mercado, mas também aos melhores modelos das marcas de áudio de alto desempenho. Historicamente havia grande distinção entre as marcas Hiend e aquelas marcas destinadas ao consumo de massa. Hoje, há uma relativa sobreposição, pois as marcas mais tradicionais estão produzindo tanto modelos de alto desempenho e alto custo, quando modelos que poderíamos designar como HiFi ou MidiFi, destinados a um mercado mais amplo. Lembro-me, mas o tempo pode ter alterado minha percepção, de que, em determinado ponto de um artigo seu, o articulista Fernando Andrette definiu Hiend como sendo o som produzido por um sistema que nos leva a uma forte sensação de relaxamento, de envolvimento, de inserção natural. Pode não ter sido exatamente essa sua colocação, mas parece-me ser a melhor e mais profunda concepção do que de fato é Hiend. Seria assim como se nosso psiquismo, em função de condicionamento anterior, esperasse despender determinado esforço fisiológico e intelectual para escutar uma apresentação de áudio, mas fosse surpreendido por uma manifestação sonora muito mais próxima da realidade, acima ou ao nível de excelência esperado, tal como percebido por nós, e se produzisse no ouvinte uma sensação maior de facilidade, de maior relaxamento, de maior naturalidade, de tal forma que o cérebro aceitasse ser enganado e se portasse tal como se estivesse diante de uma apresentação ao vivo. O que é, portanto, Hiend, para mim? Como as percepções e as idéias são subjetivas, a noção do que é Hiend pode variar de pessoa para pessoa, de acordo com sua individualidade fisiológica e seus padrões de excelência sonora. Nesse ponto as definições de Hiend se divorciam. Pois se abre espaço para que exista a preferência, para que prevaleça o gosto, e o que é Hiend para alguns não o será mais para vários outros. No entanto, como a função do Hiend é, em última análise, a produção da melhor sensação possível de prazer, inserção e envolvimento, esse aspecto subjetivo deveria prevalecer sobre os demais. Além disso, mercê da individualidade psíquica e dos múltiplos interesses que se encontram no mundo real, na comunidade audiófila, cada produto poderá ou não ser classificado de Hiend, de acordo com as sensações e os benefícios pessoais esperados por quem está avaliando seu desempenho. O que implica em dizer que a identificação de cada produto isolado como sendo Hiend só não varia para empresas ou pessoas em situações, com preferências ou com interesses equivalentes. A subjetividade é evidentemente influenciada pela posição individual. Logo, o subjetivismo não é eficaz o bastante para explicar sozinho o fenômeno Hiend, embora deva sempre ser levado em conta por ser o critério fisiologicamente fundamental. Assim, os aparelhos que produzem sensações identificadoras de alto desempenho de áudio em uma parcela expressiva dos aficionados deveria ser considerada Hiend, mesmo que não produzam o mesmo efeito nos demais. Todavia, deveriam ter também as demais características de excelência, como qualidade de componentes, esmero de construção, serem destinadas a um nicho específico de mercado, etc.. Por conseguinte, deveriam ser sempre respeitadas e levadas em conta quaisquer avaliações que expressem a vontade de uma parcela significativa de audiófilos, pois preenchem todos os requisitos subjetivos e objetivos dessa qualificação. As avaliações individuais, entretanto, consideradas isoladamente, não poderiam ser consideradas como tal, pois não permitem deduzir que estão referidas a um padrão tecnológico universal, embora sempre devam ser respeitadas. Existe, entretanto um substrato comum, de marcas e produtos considerados Hiend através de critérios técnicos ou subjetivos, pela grande maioria do mercado. E que podem ser enquadradas em todas as definições. Voltamos, portanto, à formulação feita acima, que me parece ser a mais abrangente, elástica e – por conseguinte – a mais adequada para explicar uma expressão que tem um significado tão amplo. Em conclusão, a definição de Hiend não pode se restringir a apenas um critério e deve satisfazer aos três critérios analisados, e ser aceito como tal por pelo menos uma parcela expressiva daqueles que trabalham ou acompanham de perto o mundo do áudio de alto desempenho. Assim: Hiend, de fato, é o termo que se refere a produtos feitos especialmente para um nicho específico de mercado, implicando tradicionalmente em características como alto nível, alto custo e pequena escala, com componentes especiais, de alta qualidade e preço, esmero na construção, que incorporam o que há de melhor em tecnologia no ramo, e que produzem uma forte sensação subjetiva de realidade. Nesse aspecto, talvez o mais importante, Hiend será o sistema que nos leva a uma forte sensação de relaxamento, de envolvimento, de inserção natural, de tal forma a enganar o cérebro mesmo que momentaneamente produzindo a ilusão de uma apresentação ao vivo.